domingo, 2 de junho de 2013

Morre a filha e nasce a mãe.

   Quando pensamos em partos, pensamos nos aspectos fisiológicos,em que tipo de nascimento daremos aos nossos filhos, no hospital com a melhor maternidade, enfim, mil coisas.
   Mas no nascimento de um filho, há um viés que insisti em negar por muito tempo: a minha morte como filha.
   Sou mãe de três, mas só no nascimento de meu terceiro filho foi que consegui resgatar minha (nada mole) relação com a minha mãe.
   Nossa relação sempre foi delicada, confesso.
   Sempre fui do tipo questionadora. Isso sempre perturbou todos ao meu redor. Tenho quase 30 anos, e venho de uma época onde criança não tinha  vez nem voz. Isso nunca serviu pra mim, que sempre manifestei minha já latente inquietude. Sendo assim, sempre fui tida como "criança problema".
   Minha mãe, mulher ortodoxa e rígida, nunca entendeu direito o que tinha de errado com aquela menina que tanto perguntava e desafiava a tudo e a todos. Sendo assim, ela sempre tentou me "enquadrar" no que acreditava ser o melhor para mim, e tentou por toda uma vida me transformar em algo que eu jamais seria: uma menina pacata e passiva.
   Conflitamos por anos a fio, até que mudei de cidade e assumi as rédeas da minha vida.
   Alguns anos depois veio Maria Valentina, minha primeira filha.
   Depois de uma gestação cheia de conflitos psicológicos e uma solidão que arranhava por dentro, minha relação com minha mãe só piorou.
   Como eu fazia tudo por minha menina, me sentia apta a julgar minha mãe por ter me negado(aos meus olhos) esses mesmos cuidados.
   Quando nasceu meu segundo filho, o mesmo se deu.
   Foi na minha terceira gestação, ou melhor, no meu terceiro parto, que houve o grande momento que no fundo,  tanto aguardei.
   Sempre me disseram que ao termos um filho, entenderíamos nossos pais. Pois bem, precisei ter 3 filhos para que isso acontecesse.
   Minha mãe, enfermeira de uma vida toda, sempre foi categórica quanto ao parto domiciliar: era absolutamente contra. Achava ser uma irresponsabilidade, uma negligência, um risco absurdo e desnecessário.
   Quando comuniquei a todos que Benício nasceria em casa, foi aquele fuzuê. 
   Minha mãe, já que não apoiava minhas escolhas, anunciou que não estaria presente por nada nesse mundo.
   Qualquer um pensaria: ótimo, elas não se dão bem, a mãe não quer estar presente, maravilha, sem drama.
   Mas não foi assim.
   Teve drama.
   Por algum motivo que eu não entendia,eu QUERIA  minha mãe no parto.
   Queria de qualquer jeito.
   Sentia que PRE-CI-SA-VA dela naquele momento.
   No final da gestação, eu já me sentia cansada. Já não tinha mais energia para correr atrás das crianças o dia todo. Já não me sentia capaz de cuidar, principalmente do José(meu filho do meio) que ainda era um bebê, sem a ajuda de alguém.
   Minha mãe veio passar uns dias na nossa casa até o grande dia chegar, mas sempre dizendo que não gostaria de estar presente no parto. Aquilo me afligia.
   Quando o grande dia chegou, para minha surpresa, fui tomada por sentimentos novos.
   Durante o trabalho de parto, me sentia calma e confiante, mas ao mesmo tempo, me sentia capaz de me desconstruir, de ser frágil novamente perante minha mãe. 
   Senti que poderia contar com ela. 
   Pedi colo.
   Chorei.
   Ela estava lá.
   ELA ESTAVA LÁ! 
   Ela, que tantas vezes não esteve, dessa vez, estava lá por mim.
   Acompanhou o trabalho de parto e o nascimento de Benício, com toda a ternura de uma mãe que vê sua menina parir.
   Logo que Bê nasceu, reconheci em minha mãe algo novo.
   Naquele momento, depois de suprir todas as minhas carências de filha, morri. Me desfiz em pedacinhos e renasci. Renasci mais forte,dessa vez sem todas aquelas lacunas de filha.
   Renasci mãe, e desde então, respeitei a minha com todas as honras que ela merece.
   Minha mãe agora me via como mãe. Mãe forte, mamífera, suprida de amor e zelo.
   Precisei poder ser fraca para conseguir ser forte.
   E só assim pude ser mãe plenamente, e minha mãe pode ser a vó que tanto desejava ser.
   Precisei morrer como filha para nascer plenamente como mãe.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado.